quarta-feira, 21 de maio de 2014

Histórias sobre Saudades! - 1 -

- Texto escrito em 09 de Março de 2014, quando eu estava no Nepal -  





Sabe, algumas vezes penso na minha vó, em como deve, e foi, difícil pra ela ter que enterrar seu filho amado...como foi doloroso olhar aquele grande corpo e belo rosto sem vida, pentear-lhe os cabelos e envolvê-los em uma trança que se desfaria com o tempo debaixo e entre a terra. Ela ainda guarda um cacho daqueles cabelos marrons sem vida, entre seus pertenes mais preciosos, guarda ainda na lembrança a vida de um filho há 22 anos morto. Ela ainda consegue contemplar ao fechar os olhos- e posso garantir que também o faz com eles abertos- o sorriso aberto e cativante de um filho dentro de sua grande camisa de ceda colorida, sua calças jeans surrada e suas botas de couro que lhe subiam pelas batatas da perna...Ela, e talvez somente ela, ainda consegue sentir o cheiro de seu perfume, lembrar do tom de sua voz, da intensidade de seus sorrisos...
A morte tem esse dom: o dom de nos trazer de volta. Neste mundo onde sentimentos e emoções dignas de serem vividas são tão descartáveis e definidas como fraquezas, a morte traz em si o poder de nos trazer de volta à uma realidade de apreço, de cuidado, de valor...A morte nos ensina que sorrisos precisam ser "sorridos", lágrimas devem ser vertidas, perdão deve ser dado, amor compartilhado, e a dor, ah! a grande professora "Dona Dor", precisa ser sentida, vivida, sofrida...
A dor de se enterrar um filho...
Para quem perde o cônjuge se designa "viúvo (a)", para quem perde pais, órfão (ā), mas e para quem perde um filho, uma filha??? É algo tão antinatural que sequer temos um nome que consiga definir esse estado!
Muitos me perguntam como têm sido meus dias em minha "fantástica viagem missionária"...Pois, saibam que, em meio ao privilégio que estou tendo, NO SENHOR, de estar levando o Seu Evangelho, PELO SEU Poder e Misericordia à diferentes nações, eu tenho aprendido a apreciar o tempo Kairós (que é aquele tempo que não cabe no tempo Cronos), que me leva ao encontro das lembranças eternizadas em momentos e me faz apreciar ainda mais aqueles que sabem transformar sorrisos em infinitos, noites mal-dormidas (mas bem vividas) em dias eternos, e tenho aprendido a olhar para o passado que vale à pena ser contemplado, e nessa viagem transcendental que se completa com a viagem física atualizada pelas frustrações diárias (nem tudo, MESMO, são flores na vida de um Missionário, por favor acredite nisso!), eu tenho valorizado ainda mais quem já passou, está passando e (dentro do Kairós, que não cabe na realidade dos limites) ainda passará por minha vida. 
"Alguns infinitos são maiores que outros"...
Espero ouvir sorrisos sem sons, sentir perfumes sem aromas, trançar cabelos sem vida, reviver momentos eternos sempre e quando o infinito me permitir viajar, lá e cá ao encontro de suas fronteiras sem limites...Já tenho muito disso por cada lugar onde já passei nestes 29 anos e, se for da vontade de Deus, ainda virão muitos mais, para alegrar a minha alma tão sanguínea e ao mesmo tempo dilacerar o meu melancólico coração 


Hoje, estou sentindo imensas saudades da minha Avó Cica, de compartilhar minhas leituras com ela!


***
Na foto, meu pai, minha vó e eu pequenininha...Na Quebrada de Jaspe, La Gran Sabana, Venezuela. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário