sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A Casinha Branca


O que me fascina em Jesus é a possibilidade que Ele dá para quem não tem mais possibilidade nenhuma...Gosto, gosto muito do jeito simples dEle de olhar para quem eu facilmente desprezaria e enxergar naquela pessoa, naquela situação um futuro cheio de vida e esperança...Jesus não limita as pessoas ao que elas foram...nem mesmo ao que elas são...É tão cruel ser limitado ao hoje, ao que eu possa ter te mostrado de ruim num dia e que isso me defina pra você como uma realidade futura...Jesus não era assim...Jesus olhava para uma pessoa, e contra todas as prováveis realidades futuras Ele conseguia enxergar uma que lhe encaixaria numa esperança de fazer melhor, de ser melhor, de viver melhor. É tão doído a gente ser visto somente pela perspectiva daquilo que temos no momento. Jesus me ensina a olhar para as pessoas de um jeito diferente...Olhar para ela sabendo que ela tem um passado, que talvez esteja vivendo o presente de um jeito doloroso para mim, para ela mesma, mas que essa realidade do “agora” não pode ser definitiva em sua vida. Quando olho para as pessoas eu sempre tenho duas escolhas dentro daquilo que elas estão me mostrando: acreditar em absoluto em cada palavra e gesto que ela emite e a partir disso, criar o meu conceito sobre ela (ela nunca será o que penso, mas o que ela sabe dela mesma – e dentro do que ela é pra ela mesma está quem ela é aos olhos de Deus!) ou,  tentar ler nas entrelinhas dessa pessoa e descobrir nos avessos entrelinhados uma alma por trás de sorrisos, silêncios tagarelados, pausas faladas, inseguranças seguras... Olhar do jeito certo paras circunstâncias, para as pessoas e deixar de limitá-las ao que fizeram, falaram ou foram e começar a ver a grandeza de uma vida que ainda pode vir a existir a partir dali.
Há uma canção que vez ou outra retorna ao meu playlist (quer entrar no "clima", clica aqui) escuto há muitos anos, uma canção que já me fez chorar, que já me fez passear entre dores, tristezas e melancolias, mas que hoje me emite uma esperança cheia de alegria, de uma profundeza de vida que poderia me ajudar a explicar um pouco o que quero dizer a respeito de “olhar do jeito certo as pessoas”... Ela fala de uma pessoa que começa a se aperceber daquilo que não tem (ou não teve). Amigos que não possui, solidão que se exaspera em desesperança, sonhos que perecem, uma tentativa de se encaixar numa multidão que é absorvida por suas próprias mecanicidades mesmo que todos possuam seus próprios “mistérios, sofrer e sua ilusão”...Mas de repente surge aquilo que traz esperança, que dá um significado real à uma vida que se descobre nas coisas simples, que no fim, são as que valem à pena: Uma casinha branca com varanda, um quintal, com lugar de mato verde pra plantar e pra colher e uma janela para ver o sol nascer...”. Uma música cheia de uma analogia com a vida que me deixa perplexa! Aquilo que percebo no olhar de Cristo, que me ensina a olhar para os outros, se assemelha ao aconchego de um Lar. Um lar é muito mais que paredes físicas, um lar se constrói com paredes de sentimentos, de simplicidade.
A casa que mais gostei de morar foi uma casa completamente desestruturada. Sem fechaduras nas portas (colocávamos umas madeiras para fechar todas as noites), com cortinas feitas de lençóis velhos nas portas dos quartos...com chão batido de barro e pedras, paredes com tijolos sem reboco, pratos de aluminho (pintadinhos de flores) onde comíamos feijão com arroz e ossada, um banheiro fora da casa sem qualquer infraestrutura de um banheiro de nossas casas atuais (isso me ajudou na India!).  Lembro-me que aquela casa me envergonhava quando criança, e hoje, ao olhá-la do jeito certo, eu me apercebo fazendo planos de contratar um arquiteto que consiga captar minhas descrições para fazer uma casa igualzinha aquela, onde eu possa me sentir com  a mesma sensação de lar que tive ali. Isso talvez não seja possível, passamos pela vida e levamos dela o que podemos... Dessa casa eu levei muitos sorrisos, brincadeiras com meus primos, aprendizados infinitos, mas compartilho hoje um em especial. Aconteceu numa tarde quente típica de minha cidade, quando um primo distante, a quem apelidávamos de “patinho” bateu na porta de casa pedindo por comida (uma comida que não tínhamos, embora sempre tivéssemos). Eu morria de medo daquele rapaz. Ele sempre estava “bêbado” e eu saia correndo cada vez que eu percebia que era ele quem estava se aproximando de nossa casa. Nessa tarde eu fechei rapidamente todas as portas e janelas esperando que ele pensasse que a casa estava vazia e fosse embora rapidamente...Mas a minha vó Raimunda não era como eu...Ela conseguia enxergar as pessoas de forma muito mais correta que eu na minha tenra idade. Minha vó foi lá fora e em seguida voltou, preparou um prato de comida bem cheio (arroz e feijao) e levou ao Patinho, apesar de minha insistência de que ela não desse comida “àquele bêbado”. Vendo esta historia do alto de meus 29 anos e de uma longa caminhada com um Cristo Misericordioso e Cheio de Bondade,  eu me envergonho de meu pobre e miserável coração aos 9 anos, ao mesmo tempo em que aprendo com essa Jheanny ainda tão inexperiente na arte de amar as pessoas e olhá-las do jeito certo. Quantas vezes ao longo da minha vida eu não desprezei as pessoas por que as limitei ao seus “agora”, aos seus “momentos”? Quantas vezes eu mesma não devo ter sido desprezada em definitivo por causa de uma atitude, palavra ou reação instantânea de um momento, um “hoje” que não deveria ter limitado um futuro cheio de historias bonitas, agradáveis, gostosas de serem vividas...Isso é tão doloroso gente... Hoje eu me apercebo vendo pessoas nas ruas, dentro de um estereotipo que as conceitua em algo que elas não são. Não são apenas pessoas rudes, grosseiras, fechadas, mendigas, ladroes... Se olharmos do jeito certo poderemos ver pessoas que talvez tenham andado tão sozinhas nesta vida que acabaram por deixar de sonhar com sua Casinha com janelas que lhes abririam um sol cheio de luz para aquecê-las de suas dores. Aí entramos nós, os Filhos de Deus! Quando carregamos o aconchego de já termos aprendido que o material não vale de nada, que as paredes de nossa casinha branca com varanda se constrói na certeza de que tudo o que precisamos é muito simples, podemos entregar nossas mãos para preencherem os vazios daquelas mãos que já não se reconhecem dentro de suas próprias vidas. Tudo o que realmente precisamos na vida é saber-nos proprietários de um espaço onde podemos ser nós mesmos, onde podemos ser verdadeiros. A casinha branca de minha música querida, é muito mais que um projeto grandioso ou glorioso. O autor se apercebe que a grandeza está na simplicidade e então nos enche de um refrão cheio de esperança! Pessoas que se tornam nossas paredes e que, por vezes, nos são janelas, que nos abrem as possibilidades de uma vida inteira ainda por ser vivida! A casinha branca me remete à um aconchego de alma, onde me é possível, inclusive, enfrentar-me com meus medos, desconfortos e desilusões. Um lugar que me aconchegue, inclusive em meu desaconchego... Paradoxo?
Disso trata minha missão: olhar do jeito certo (o de Cristo) para as pessoas e saber reconhecer nelas aquilo que, muitas vezes, elas acabaram esquecendo (ou – pior – nunca descobriram) que elas realmente são, e nesse processo, me tornar um pouco dessa “Casinha Branca” para elas... Quando oro com um paciente, quando coloco meu nariz de palhaça, quando ensino uma criança, um jovem, um adolescente, um ancião, o que estou tentando fazer é entregar à eles um prato cheio de feijão com arroz e com isso dizer à eles que, apesar de haverem pessoas que lhes hajam fechado as portas e janelas e lhes tenham virados as costas e corrido por medo, desprezo ou desconforto, eu estou ali, em Cristo, tentando descobrir em suas entrelinhas, o que há em suas almas. Minha missão me possibilita trazer à memoria das pessoas um céu que pode ainda ser vivido. O inferno só é definir pra quem já está morto, pois quem está vivo ainda pode mudar de direção, ainda pode mudar de jeito de viver a vida, de sorrir, de reagir. Você ainda pode tratar bem aquele que você desprezou, você ainda pode pedir perdão e perdoar aquele que ainda carece de perdão. Jesus fez isso comigo...Quando eu fiz tudo errado, Ele me mostrou que eu ainda poderia fazer algo do jeito certo,   quando eu ainda olhava do jeito errado, Ele, com o seu olhar correto, me ensinou a amar do jeito dEle...Quando eu vejo crianças numa favela, jovens ricos arrogantes,  moradores em situação de rua, doentes fraturados por um acidente causado por embriaguez, funcionários corruptos, atendentes mal-educados, um pai que não soube ser pai, um filho que guarda uma mágoa... eu tento, nEle, abrir uma janela cheia de um sol que está chegando para iluminar a varanda de suas casinhas brancas, que fará crescer o que será plantado do jeito certo, que trará uma colheita diferente daquela esperada pela maioria das pessoas...
“Eu queria ter na vida simplesmente, um lugar de mato verde para plantar e pra colher...ter uma casinha rosa de varanda, um amor e uma janela, para ver o sol nascer...”
Sejamos nós a mostrar o Caminho que leva à Casinha Branca Celestial aos que andam tao sozinhos ultimamente!



Nota: texto escrito depois de uma profunda reflexão baseada numa pequena palestra feita pelo Pe. Fábio de Melo.



Tudo o que aprendi se resume nisto: Deus nos fez simples e direitos, mas nós complicamos tudo”. Eclesiastes 7.29