sábado, 10 de janeiro de 2015

Índia - Noah e Ajai



Depois que quase um ano, volto (na qualidade de Tempo Kairós) à cidade de Willaminagar e como, finalmente o Guptajee que o pequeno e vivaz Noah, me deu, e hoje, depois de tantos meses vividos na Asia e seus temperos picantes, eu consigo sentir prazer em comer estas ervilhas apimentadas vendidas em pacotinhos a 1 Rupia.
Aquele garoto de dez anos...Falar sobre Noah (e sobre um outro que vou lhes apresentar hoje) é abrir um pouco a janela daquilo que faz a minha vida valer à pena, que me faz acreditar que continua valendo à pena dar passos pra frente!
Noah chegou ao abrigo aos 5 anos. Filho de uma mãe pobre, com um salário que variava os 15 reais ao mês, abandonada pelo pai do garoto (que nunca o quis), vivia como dava. Ele passou pela casa do velhos avós (ah, as casas pobres dos vilarejos da India...), mas, um dia ela conheceu à Sra. Atulla, aquela mulher que tanto inspira minha vida! Pediu para que ela cuidasse de seu filho e que quando encontrasse um emprego ela voltaria para buscá-lo. Noah, agora tinha um lar, comida, escola, pessoas que se preocupavam por ele. A mãe, com o tempo, voltou a se casar, teve mais dois filhos, mas nunca voltou para buscar o primogênito – olhar para ele talvez a fizesse se lembrar do pai, do passado, do “erro”. Noah mente, às vezes, com um largo sorriso no rosto, dizendo que a mae o vem visitar, que ele passa as férias na casa dela...Aquilo é de cortar o coração! Poucas crianças sabem falar inglês naquele vilarejo, ele era uma delas...Na verdade, naquela casa com 15 criancas, ele era o único, o meu tradutor, se é que se pode dizer...E como era esforçado! Meu pobre inglês daquele então fazia o pobre inglês dele sofrer também! Hehe, mas ele se esforçava! Com uma forca física atípica para um menino da idade dele, ajudava sem reclamar a cortar a madeira que os aqueceria na fogueira noturna ou lhes serviria de lenha para o fogão onde seria preparado sua alimentação...Sorriso lindo, líder nato, com um desejo profundo de se tornar um Pastor da e na Igreja de Cristo. Dava vontade de abraçar e não largar mais...Um garoto que chorou profundamente quando eu fui embora...Uma mistura de raiva e amor, ódio e ternura... Ele me amava, e eu estava indo embora.
Quantas pessoas são arrancadas de nossas vidas? Até quantas vidas teremos de perder para valorizar àquelas que nos são presenteadas com a rotina de sua presença consoladora? A mãe de Noah, nunca voltou por ele. Ela não conhece o sorriso cativante do filho. Ela não sabe o garoto fantástico e inteligente que ele se tornou e se torna a cada dia...E ele deseja, mesmo que em suas mentiras, o amor daquela que o abandonou, ardentemente e talvez,apenas talvez, ela também,deseje contemplar o sorriso do filho abandonado apenas uma vez mais...

Ajai é outro mocinho lá do abrigo. Lembrar de como o sorriso dele se desfaz e se converte em ira ao se mencionar sua mãe, fere também meu coração. Aquele menininho franzino, de 8 anos, foi abandonado pela mãe em uma praça pública de uma grande cidade indiana – algo MUITO comum naquela parte do mundo (só naquela parte?). Eles saíram de seu vilarejo, talvez tiveram que andar dias, até chegar, e lá, naquela grande e movimentada cidade ela lhe disse as ultimas palavras que ele ouviria de sua mãe: “Me espere aqui, vou buscar comida e já volto”. E ele esperou...esperou...esperou o dia inteiro, mas ela não voltou. Ajai, sozinho, esperou pela mãe, que, segundo o moço que o tirou daquela praça, deixou o menino sozinho e se encontrou com um homem, com o qual seguiu seu rumo. Esperou durante horas por uma mãe que não voltou, nem voltaria... Esperou quietinho, entre lágrimas, entre prantos, entre medos...entre o desespero de uma crianças com fome, abandonada aos 4 anos em meio à uma multidão de gente desconhecida! Aquele moço, havia observado tudo...e havia esperado que a mãe voltasse, antes de se aproximar do menino e levá-lo para sua casa – lotada. Entrou em contato com a Sra. Atulla e, graças à Deus, ela tinha um lugar para ele no abrigo (ela, mesmo sem ter, sempre tem um lugar!). Chegou sem roupa, coberto apenas por um trapo que nos lembraria uma fralda de pano... Pobre, nu, abandonado. O destino dele se continuasse naquela praça daquele grande centro urbano? Provavelmente seria levado pela máfia que seqüestra crianças e as faz de mendigos nas esquinas e curvas das cidades ou seria usado por algum templo pagão como sacrifício sexual (SIM, isso é uma realidade na Índia, no Nepal e em tantos outros lugares! Crianças – e adultos -  são levadas aos templos para servirem de sacrifícios sexuais. Pessoas vão lá oferecer seus sacrifícios aos seus deuses e o sacrifício é feito tendo relações com as crianças, neste caso, pois há os que o fazem com animais e tantas outras coisas que ainda hei de lhes contar e compartilhar um dia...) ou ainda, seria escravizado sexualmente em algum bordel. Da mesma forma que aquele jovem missionário estava observando o pequeno Ajai, abandonado naquela praça durante todo o dia, outros, muito provavelmente o estavam, mas naquele dia, para a Glória de Deus, aquele menino foi visto pelos olhos atentos de alguém com Cristo, e hoje, por causa de um olhar correto, Ajai tem 9 anos, mora num lugar onde pode ter sonos tranqüilos, come sua comida todos os dias, estuda, brinca, ajuda em casa, vai à igreja, vive...Vive!

Agora eu pergunto, quantos Noah`s e quantos Ajai`s existem perto de nós?
Quantos de nós temos os olhos abertos e o coração quebrantado para percebermos aqueles que precisam de Cristo, ao nosso redor?
Hoje, eu decidi comer aquele presentinho apimentado que Noah me deu, há um ano. Comprou para todos...Um guri com o coração generoso. O que seria dele se ninguém tivesse ajudado? O que seria daquela esperteza toda que ele tem direcionada ao caminho errado? O que seria dele sem Cristo?
O que seria de mim, de você, se ninguém tivesse estendido as mãos para nos mostrar o Salvador, o Bom, Justo e Generoso Deus? O que será daqueles que só poderão saber que Deus se preocupa com eles através das suas, nossas ações?
Da próxima vez que você vir uma dessas minhas crianças nas ruas da sua cidade, não fique apenas com medo...tenha um pouco da misericórdia da Sra. Atulla, do nosso Cristo e, da forma como puder, estenda um pouco a sua mão e seja luz. Sejamos luz!
Feliz 2015.
Ah, e se alguém tem que ficar triste em 2015, que seja eu, que seja você, mas não o Espírito Santo!



P.s.: comi o Gutajee, mas, diferentemente do que eu altivamente pensava e escrevi nas primeiras linhas deste texto, hehehe, tive que ter umas pequenas doses de leite condensado para me ajudar a queimar menos a boca com o tanto de pimenta que vem nisso e que as crianças indianas comem como se fossem balinhas, jujubas! Hehe.

P.S.2: Na foto, Noah, sorridente e Ajai, com sorriso doce e moleton azul.

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