Depois que quase um ano, volto (na qualidade de Tempo Kairós) à cidade de
Willaminagar e como, finalmente o Guptajee que o pequeno e vivaz Noah, me deu, e
hoje, depois de tantos meses vividos na Asia e seus temperos picantes, eu
consigo sentir prazer em comer estas ervilhas apimentadas vendidas em
pacotinhos a 1 Rupia.
Aquele garoto de dez anos...Falar sobre
Noah (e sobre um outro que vou lhes apresentar hoje) é abrir um pouco a janela
daquilo que faz a minha vida valer à pena, que me faz acreditar que continua
valendo à pena dar passos pra frente!
Noah chegou ao abrigo aos 5 anos. Filho de
uma mãe pobre, com um salário que variava os 15 reais ao mês, abandonada pelo
pai do garoto (que nunca o quis), vivia como dava. Ele passou pela casa do
velhos avós (ah, as casas pobres dos vilarejos da India...), mas, um dia ela
conheceu à Sra. Atulla, aquela mulher que tanto inspira minha vida! Pediu para
que ela cuidasse de seu filho e que quando encontrasse um emprego ela voltaria
para buscá-lo. Noah, agora tinha um lar, comida, escola, pessoas que se
preocupavam por ele. A mãe, com o tempo, voltou a se casar, teve mais dois
filhos, mas nunca voltou para buscar o primogênito – olhar para ele talvez a
fizesse se lembrar do pai, do passado, do “erro”. Noah mente, às vezes, com um
largo sorriso no rosto, dizendo que a mae o vem visitar, que ele passa as
férias na casa dela...Aquilo é de cortar o coração! Poucas crianças sabem falar
inglês naquele vilarejo, ele era uma delas...Na verdade, naquela casa com 15
criancas, ele era o único, o meu tradutor, se é que se pode dizer...E como era
esforçado! Meu pobre inglês daquele então fazia o pobre inglês dele sofrer
também! Hehe, mas ele se esforçava! Com uma forca física atípica para um menino
da idade dele, ajudava sem reclamar a cortar a madeira que os aqueceria na
fogueira noturna ou lhes serviria de lenha para o fogão onde seria preparado
sua alimentação...Sorriso lindo, líder nato, com um desejo profundo de se
tornar um Pastor da e na Igreja de Cristo. Dava vontade de abraçar e não largar
mais...Um garoto que chorou profundamente quando eu fui embora...Uma mistura de
raiva e amor, ódio e ternura... Ele me amava, e eu estava indo embora.
Quantas pessoas são arrancadas de nossas
vidas? Até quantas vidas teremos de perder para valorizar àquelas que nos são
presenteadas com a rotina de sua presença consoladora? A mãe de Noah, nunca
voltou por ele. Ela não conhece o sorriso cativante do filho. Ela não sabe o
garoto fantástico e inteligente que ele se tornou e se torna a cada dia...E ele
deseja, mesmo que em suas mentiras, o amor daquela que o abandonou,
ardentemente e talvez,apenas talvez, ela também,deseje contemplar o sorriso do
filho abandonado apenas uma vez mais...
Ajai é outro mocinho lá do abrigo. Lembrar
de como o sorriso dele se desfaz e se converte em ira ao se mencionar sua mãe,
fere também meu coração. Aquele menininho franzino, de 8 anos, foi abandonado
pela mãe em uma praça pública de uma grande cidade indiana – algo MUITO comum
naquela parte do mundo (só naquela parte?). Eles saíram de seu vilarejo, talvez
tiveram que andar dias, até chegar, e lá, naquela grande e movimentada cidade
ela lhe disse as ultimas palavras que ele ouviria de sua mãe: “Me espere aqui,
vou buscar comida e já volto”. E ele esperou...esperou...esperou o dia inteiro,
mas ela não voltou. Ajai, sozinho, esperou pela mãe, que, segundo o moço que o
tirou daquela praça, deixou o menino sozinho e se encontrou com um homem, com o
qual seguiu seu rumo. Esperou durante horas por uma mãe que não voltou, nem
voltaria... Esperou quietinho, entre lágrimas, entre prantos, entre medos...entre
o desespero de uma crianças com fome, abandonada aos 4 anos em meio à uma
multidão de gente desconhecida! Aquele moço, havia observado tudo...e havia
esperado que a mãe voltasse, antes de se aproximar do menino e levá-lo para sua
casa – lotada. Entrou em contato com a Sra. Atulla e, graças à Deus, ela tinha
um lugar para ele no abrigo (ela, mesmo sem ter, sempre tem um lugar!). Chegou
sem roupa, coberto apenas por um trapo que nos lembraria uma fralda de pano...
Pobre, nu, abandonado. O destino dele se continuasse naquela praça daquele
grande centro urbano? Provavelmente seria levado pela máfia que seqüestra
crianças e as faz de mendigos nas esquinas e curvas das cidades ou seria usado
por algum templo pagão como sacrifício sexual (SIM, isso é uma realidade na Índia,
no Nepal e em tantos outros lugares! Crianças – e adultos - são levadas aos templos para servirem de
sacrifícios sexuais. Pessoas vão lá oferecer seus sacrifícios aos seus deuses e
o sacrifício é feito tendo relações com as crianças, neste caso, pois há os que
o fazem com animais e tantas outras coisas que ainda hei de lhes contar e
compartilhar um dia...) ou ainda, seria escravizado sexualmente em algum
bordel. Da mesma forma que aquele jovem missionário estava observando o pequeno
Ajai, abandonado naquela praça durante todo o dia, outros, muito provavelmente
o estavam, mas naquele dia, para a Glória de Deus, aquele menino foi visto
pelos olhos atentos de alguém com Cristo, e hoje, por causa de um olhar
correto, Ajai tem 9 anos, mora num lugar onde pode ter sonos tranqüilos, come
sua comida todos os dias, estuda, brinca, ajuda em casa, vai à igreja,
vive...Vive!
Agora eu pergunto, quantos Noah`s e quantos
Ajai`s existem perto de nós?
Quantos de nós temos os olhos abertos e o
coração quebrantado para percebermos aqueles que precisam de Cristo, ao nosso
redor?
Hoje, eu decidi comer aquele presentinho
apimentado que Noah me deu, há um ano. Comprou para todos...Um guri com o
coração generoso. O que seria dele se ninguém tivesse ajudado? O que seria
daquela esperteza toda que ele tem direcionada ao caminho errado? O que seria
dele sem Cristo?
O que seria de mim, de você, se ninguém
tivesse estendido as mãos para nos mostrar o Salvador, o Bom, Justo e Generoso
Deus? O que será daqueles que só poderão saber que Deus se preocupa com eles
através das suas, nossas ações?
Da próxima vez que você vir uma dessas
minhas crianças nas ruas da sua cidade, não fique apenas com medo...tenha um
pouco da misericórdia da Sra. Atulla, do nosso Cristo e, da forma como puder,
estenda um pouco a sua mão e seja luz. Sejamos luz!
Feliz 2015.
Ah, e se alguém tem que ficar triste em
2015, que seja eu, que seja você, mas não o Espírito Santo!
P.s.: comi o Gutajee, mas, diferentemente
do que eu altivamente pensava e escrevi nas primeiras linhas deste texto,
hehehe, tive que ter umas pequenas doses de leite condensado para me ajudar a
queimar menos a boca com o tanto de pimenta que vem nisso e que as crianças
indianas comem como se fossem balinhas, jujubas! Hehe.
P.S.2: Na foto, Noah, sorridente e Ajai, com sorriso doce e moleton azul.
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